quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O anúncio no jornal

No trem, que se assemelhava a uma gigantesca lata de sardinhas, a menina que chorava litros lia os classificados de domingo depois de três dias. Exatamente uma quarta-feira, às 7 horas da manhã. O pé em desequilíbrio para dar lugar a outrem e os olhos compenetrados nas “super ofertas” de emprego distraiam-na até a estação final, onde desembarcaria para trabalhar. Era jocoso vê-la amedrontada com os transeuntes apressados, prontos para derrubá-la do alto da escada. Todo dia, a menina concentrava-se num lugar arbóreo e enfrentava, corajosa e de olhos abertos, a multidão.

. UM ANÚNCIO NO JORNAL .

Empresa de grande porte contrata JORNALISTAS.
...
Enviar currículo até 19 de agosto de 2008.

Longe dali, respirou profundamente (“Profundamente” era a palavra que a voz do CD do terapeuta pronunciava nas sessões de relaxamento, “profundamente” para ela tornara-se advérbio de MODO TERAPÊUTICO). Voltou-se para os classificados e percebeu a data em negrito, dia 19 de agosto. Que dia era aquele? Questionou-se, enquanto punha nos dedos... dia 13 (quarta-feira), 14... Percebeu que o prazo havia estourado, mas decidiu enviar o currículo assim mesmo. Decidiu, também, que não seria piegas, não tiraria o adorno delicado do nariz e usaria sapatos coloridos. Lera em algum lugar que a moda era ser sincera e não ficar atribuindo valores ou experiências que não lhe cabiam.

No trabalho, a menina que chorava litros sentia-se abandonada, entregue ao ócio. Parecia que todos os cursos, aulas, palestras, seminários que havia digerido formava um bolo no estômago, solicitando um sal de frutas para auxiliá-lo. Um PH alterado, era assim que se sentia durante 4 horas diárias de trabalho.

A menina, que muitas vezes entregou currículos para contribuírem com a gestão de lixo do planeta, estava confiante, disposta: Arranjaria outro emprego. Eu a observei de unhas vermelhas no escritório taciturno e não pude conter o riso ao verificar sua taquicardia, cansada e tímida, ao escrever para as empresas que ansiava trabalhar.

6 comentários:

Unknown disse...

Ebaaaaaaaaaa !!! Sou o primeiro comentário da MENINA QUE CHORAVA LITROS!!! ADorei Zin, não sabia dos seus dons literários! Que texto bacana!
Mais um lugar pra gente partilhar idéias!
Beijo, vida longa à menina que chorava litros!!!

Mel disse...

Você traduziu emoção em algo visto como banal por muitos.
Buscar emprego faz parte do cotidiano das pessoas, inclusive do meu. Sinto a mesma ansiadade ao "panfletar" meu currículo.
Esse seu texto me tocou =)

Anônimo disse...

Seu vocabulário é rico e também gostei da forma como escreve.
Você disse: "Parecia que todos os cursos, aulas, palestras, seminários que havia digerido formava um bolo no estômago, solicitando um sal de frutas para auxiliá-lo."
As vezes me sinto assim também, pois muitas vezes de nada vale meus conhecimentos e minha experiência para o cliente.
Para ele (cliente) o que conta é o valor que cobra. Se um novato que mal sabe fazer um "ó" com a bunda cobra menos, é para lá que o cliente irá.

Yasmin disse...

clap clap clap

B. disse...

Pronto, acabei de ler "todos" os textos, fantástico, simplesmente.

Anônimo disse...

Que bosta!

 

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