sábado, 23 de agosto de 2008

Empatia

A minha maledicência não é vã, reconheço quando a menina precisa que Deus seja mais complacente com seu dia-a-dia. Mas, convenhamos, manter as faces úmidas é um desvario. Se antes mantivesse as entranhas da mesma forma, eu não sairia de perto da que chora litros, estaria a espreita em cada segundo e cada segundo no relógio seria um toque, clitoriano, perspicaz.

Ora, o que estou dizendo? Ela APENAS chora. Ela não rouba, não é uma criminosa – Acho-a até honestinha demais para meu gosto. Seu médico ainda não diagnosticou patologia alguma, logo, não posso dizer com propriedade que ela é doente (ou está doente?). Trata-se de um caso à parte, um caso de lágrimas cenográficas.

Talvez tenha escolhido a profissão errada. Temo que o certo seria tentar a vaga num cerimonial fúnebre. Choraria, choraria... Não pelo cadáver no caixote envernizado, mas porque a prática é constante, infundada e sem nenhum motivo específico. Ao menos, lucraria com isso!

Quero ilustrar o que foi dito acima, para que não pensem que uso de artifícios torpes. Portanto, segue: A empatia da menina a deixa ofegante, perfazendo a minha excitação. Vejam vocês que um homem sucumbiu na sua frente, teve espasmos diante de seus pés e ela, no ímpeto da cena, fez menção ao chão. Sentiu cada dor alheia, a respiração cessou por alguns segundos. Assim que um bombeiro se aproximou daquele corpo, ela quase pediu ajuda. Inclinou-se, mas se refez encostada a porta do trem.

. PROFISSIONAIS NUM VAGÃO DE TREM .
Um médico
Um bombeiro
Um policial
Um homem de farda cor-de-merda (?)


Concluíra que quando um homem tem sorte e Deus lhe vigia ternamente... Envia-lhe humanos de toda espécie para assisti-lo. Estavam ali, quatro homens dispostos a salvar-lhe o corpo. Sim, o corpo. A vida, não sei, o homem era um anônimo. Talvez não tivesse filhos, parecia suficientemente jovem para isso. Mas quem se importa? Era apenas UM na imensidão acanhada da lata de sardinhas.

Refez-se, cambaleante, da cena que presenciara. Deslizou sobre os lábios o batom rubro, maquiando, assim, o pavor. O pavor de desmaiar entre milhões de pessoas e não haver sequer um homem de farda cor-de-merda.

. UMA PERGUNTA .
Que profissional usa uma farda cor-de-merda?


Certamente, Deus não lhe enviaria ninguém. Não enviaria nada, nenhum socorro. Os telefones parariam de funcionar, as sirenes ficariam mudas. Deus não impediria. Estava certa de que Deus enviaria, sim, um agente funerário e eu, A Morte.

Sim, a blasfêmia é seu forte. Mas a sua fortaleza incondicional é prantear.

2 comentários:

B. disse...

Seu blog ficou muito legal Zin, adorei!!

B. disse...

Me mata com esses textos! :(

 

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